"A vontade de escrever esse artigo vem de presenciar as dúvidas cotidianas dos professores de Educação Infantil, com os quais tenho trabalhado, sobre as atividades artísticas na escola, seu papel, seus encaminhamentos, sua pertinência. Todas elas estão quase sempre ligadas ao que “pode e não pode”, ao que “deve e não deve” ser feito, dentro de uma proposta que prioriza a construção do conhecimento na criança. Sim, porque se essa não for a proposta da escola tudo fica bem mais facilitado. As prateleiras das livrarias e bibliotecas estão cheias de livros com receitas de atividades absolutamente descompromissadas com um pensamento artístico-educacional construtivista.
Muito já foi dito sobre a possibilidade de as manifestações artísticas iniciadas nos primeiros anos de vida serem significativas na formação de indivíduos socialmente adaptados e felizes. Porém, que tipos de manifestações o professor pode promover que tenham um efetivo papel nessa formação? Colorir “dentro” de desenhos prontos - feitos pelos próprios professores ou retirados de livros e revistas - colar algodão ou macarrão em folhas de papel colorido, carimbar as mãozinhas em cartolinas para fabricar cartões para os pais?
Não há receitas de como promover atividades significativas. É a formação e sensibilidade do professor que está na base de todas as questões, uma formação que ultrapassa o universo dos livros e das palestras e invade as esferas sociais e familiares.
Não estou aqui sugerindo que as escolas neguem-se a comemorações de qualquer espécie e passem a fazer panfletagem contra a sociedade de consumo. Apenas acredito que o desenvolvimento de um olhar crítico sobre as datas comemorativas, por exemplo, possa ser de grande valia na constituição do pensamento e das ações dessas crianças que hoje são incitadas a comer, cantar e produzir coelhos apenas porque o ato de comprar e revender mercadorias tem um poder tão absoluto em nosso meio social. As comemorações podem ser feitas, sim, pelas escolas e demais instituições, mas não precisam ser apenas e unicamente reflexos desse consumo exacerbado, que vem se intensificando ano após ano.Nos dias que antecedem a Páscoa, é difícil distinguir se estamos numa escola ou num supermercado. O problema do coelho e dos ovos proliferando-se nas atividades artísticas das crianças é a velha e boa questão: PARA QUÊ?
Se o interesse é promover a união e a confraternização entre os alunos e professores, por exemplo – um dos sentidos da Páscoa é a comunhão coletiva - porque não pensar em fazê-lo buscando outras referências distantes das que o comércio nos dá à exaustão?
Certamente existem diversas maneiras de rompermos com os empobrecidos estereótipos dos quais se revestem as datas comemorativas e fazermos delas um momento significativo para nossas crianças, tão terrivelmente bombardeadas por ideais consumistas. A escola tem papel fundamental nessa construção, porém é preciso aguçar os ouvidos e os olhares, atentar os sentidos todos e cutucar as idéias para que a imaginação dê conta de tarefa tão valorosa.
Podemos pensar na idéia mesma de “comemorar” - trazer à memória, fazer recordar - e criar, por exemplo, um calendário inventado pela classe ou por toda a escola. Que tal comemorar o Dia do Desenho Maluco, o Dia de Contar Histórias, o Dia do Medo, o Dia de Lembrar Sonhos, ou qualquer outra questão que seja significativa para as crianças e/ ou para os professores? Não faz mal nenhum para as crianças se repetirmos na escola as atividades promovidas pelos shoppings centers, mas... Qual o resultado disso? Essas atividades colaboram de que maneira na construção de seu mundo cognitivo e emocional?
Costumo dizer que as crianças pequenas estão apenas "engolindo" o mundo por todos os poros e buracos que podem usar para tal. Essas crianças vão se expressar plasticamente de maneira rica e diferenciada, quanto mais materiais e incentivos tiverem à disposição, mas o que vai haver de diferente no trabalho de cada uma, se todas ganharem um mesmo contorno de coelho para ser colorido? Ou todas pintarem individualmente uma mesma árvore de natal?
Então, uma boa lembrança é sempre perguntarmos o porquê e o como de cada atividade, antes de passá-las aos nossos alunos, pois o grande perigo é nos transformarmos também em simples comerciantes ou mercadores, senão de ovos de chocolate, de idéias."
-Ana Teixeira- Arte Educadora
http://www.anateixeira.com/edu/projetos.htm